quinta-feira, 22 de maio de 2014

ESSE PROBLEMA NÃO É MEU!



ESSE PROBLEMA NÃO É   MEU!
As questões conjugais e os sintomas dos filhos
                            
 Prof. Dr. Ricardo Lima*


Olhar para os sintomas dos filhos como reflexos do que se passa na vida conjugal dos pais é desafiar a visão tradicional da ‘criança problema’, do aluno preguiçoso ou mesmo da aborrescência. A partir das experiências no trabalho clínico com queixas referentes aos problemas de aprendizagem, tive a oportunidade de aprender com meus jovens pacientes que, em muitos casos, eles eram portadores de sintomas oriundos das dinâmicas conjugais dos pais. Então, comecei a me interessar e investir esfoos com os casais, visando promover um melhor entendimento dos processos que envolvem a vida conjugal e seus reflexos no desenvolvimento dos filhos.

E tenho notado que, muitas vezes, as dificuldades manifestadas pelos filhos funcionam como uma ‘cortina de fumaça’ para os conflitos familiares e conjugais. Isto é, quanto mais o comportamento de um filho se apresenta como ‘problema’, a atenção da família se volta para esse foco, fazendo com que os pais/casais não tenham que olhar para as pprias questões mal resolvidas. É claro que o surgimento de sintomas comportamentais ou educacionais numa criança não se limita a essa causa, mas vejo que esse fato, ainda desconhecido por muitas famílias, atua como força criadora/mantenedora das dificuldades de aprendizagem.

Quando isso é percebido no consultório costumo fazer a seguinte pergunta para os pais: como está o casamento de vos?. Esse é um momento crucial no trabalho clínico, pois não é raro encontrar cônjuges que há tempos estão insatisfeitos em diversos aspectos do casamento; casais que utilizam a comunicão de forma rasa e burocrática, isto é, como ferramenta útil para resolver problemas do dia a dia, mas ineficiente para expor seus sentimentos; parceiros sem intimidade, portanto sem conhecimento mútuo, entre outras questões. Outro fenômeno que observo é a maior incidência de mulheres que procuram expor estas situações. Dizem, recorrentemente, que se sentem em conflito entre ter  uma vida  feliz e  dar sentido  aos  seus desejos ( que  os filhos estão crescendo) e ainda ter que suportar as tarefas de mãe-esposa-profissional   impecável sem a ajuda e a admiração de seus maridos. Quando questionados, muitos maridos relatam não entenderem a insatisfação das mulheres já que elas têm os filhos - segundo eles ‘se elas se realizam como mães, não precisam de mais nada na vida’ - uma casa confortável, um homem trabalhador e provedor, entre outros argumentos. E, nesse impasse, a comunicão do casal fica comprometida pela dificuldade de negociar as diferenças entre o que se espera da relação e o que ela realmente pode proporcionar a cada um dos cônjuges.

Não considerar e se aprofundar nessa questão (é isso mesmo... discutir a relação!) empobrece um aspecto importante no desenvolvimento humano, do casal e da família: o auto-conhecimento. Sem essa consciência surgem dificuldades em assumir, aceitar e lidar com as difereas, fazendo com que em muitas falias isso se torne um assunto... digamos... proibido, veladamente censurado. Muitos pais/casais com quem converso são inteligentes, bem sucedidos profissionalmente, mas ibeis em lidar com questões emocionais por carecerem de auto-conhecimento. Resultado: o silêncio. Aqui ocorre o  que  eu  chamo  de  não  dito, ou  seja, o que existe nos relacionamentos mas fica camuflado, discretamente ignorado. Por exemplo: sinto que o meu marido não me deseja mais” ou queria que os meus pais se interessassem mais pelas coisas que eu gosto.

Ignorar uma questão emocional significa deixá-la operar silenciosa e inconscientemente na ppria vida e na família. Seria como cultivar uma mensagem subliminar do tipo: “aprenda, questione e comporte- se apenas dentro daquilo que suportamos, do que damos conta... o que está fora desse alcance, não serve, não pode, deixa pra lá.Oras, vivemos num mundo de diversidades e a aprendizagem passa justamente pela análise crítica das diferentes formas de pensar, sentir, se comportar... Assim, o processo de aprendizagem fica seriamente comprometido pois  reduz  o aprender a uma série  de  memorizações de  conteúdos para  atingir  resultados padronizados e análogos às limitões emocionais da  falia.  Digo questões emocionais pois se referem  não  somente  ao  que é avaliado pela educação formal,  mas principalmente ao auto-conhecimento.

Nesse contexto, a riqueza interior do ser humano - que tem na diversidade uma de suas melhores qualidades - fica reprimida, censurada, oculta. A auto-estima não  se fortalece, pois não  há uma construção do  amor  pprio, mas  sim a reprodução do  que  outro determina ser o amor  correto, o afeto  permitido. O não dito funciona como  ‘peso  morto, ancorando  e  dificultando  o desenvolvimento; a aprendizagem, como  fenômeno   importante para  a constituição   de indivíduos  (seres  únicos,  ímpares), não pode ser vivida de forma autônoma e autêntica, explicando as dificuldades  de  alguns  jovens em assimilar, administrar e  gerar  conhecimentos sozinhos; a criatividade, como manifestão do fazer diferente, não vale,  é censurada... nivelando a vida por baixo... e acaba por  emburrecer, desinteressar... entristecer.

Para pedir ajuda, alguém na família tem que denunciar que algo está errado. Infelizmente, tenho constatado que isso ainda fica a cargo dos filhos...


* Autor: Ricardo Lima, psicólogo clínico, doutor em psicologia do desenvolvimento humano, marido e pai atento às diversidades e o que aprender com elas.

ricardo.lima@usp.br
Prof. Dr. Ricardo Lima
Psicoterapia e Orientação Vocacional
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